A manhã de quinta-feira, 03/03, chove forte lá fora, acordo com o barulho da chuva, venho de uma noite mal dormida. Como de costume, ligo a TV, noticiário monotemático, guerra no Velho Mundo, mais um conflito na Europa, que domina o noticiário desde a semana passada. Cenas forte: bombas, explosões, sirenes, pessoas a caminharem no frio, a fugirem de uma guerra que foi criada por um louco tirano, que mudará suas vidas para sempre. Penso nelas, em 2018 tive a oportunidade de conhecer Kiev, linda cidade, capital da Ucrânia. Como faço em todos os lugares que visito, me hospedo no centro da cidade, ando pelas ruas, avenidas, e praças locais. Fiz um longo passeio nas margens do rio Dniepre. Em um final de tarde, sentei no Café Kaffa, observando o frenesi das pessoas em suas rotinas. Após a invasão dos russos nada disso existe mais. A mídia mostra em tempo integral a crueldade de destruição e morte, resultado dos caprichos de uma mente patológica, que em pleno século XXI brinca de invadir um país-irmão.
Me dirijo para o banheiro, asseio matinal, café da manhã, leitura dos jornais, todos, sem exceção, a mostrar a perversidade da bestialidade humana. Desconfio que a raça humana não tem futuro.
Na noite anterior, no adiantado da hora, recebi um e-mail de um jornalista angolano, comunicando-me que o artigo que lhe havia enviado tinha sido aprovado pela chefia do Novo Jornal, e necessitava de uma fotografia para ilustrar a publicação. Um misto de alegria, honra e gratidão me invadiu, e, na solidão da madrugada, Bossa Nova na vitrola, abri uma garrafa de vinho para celebrar a vida, mais uma conquista, o longo caminho percorrido até aqui. Para quem até pouco tempo não juntava duas palavras que fizessem sentido, agora publicava artigos e crônicas em 17 jornais de 8 estados brasileiros, algo impe nsável até recentemente. Agora, era celebrar mais uma conquista: meu artigo tinha atravessado o oceano Atlântico, estava prestes a ser publicado em Luanda, e ainda por cima, em um jornal impresso, de maior circulação no país.
Após 40 anos da conclusão do curso de Agronomia, na Universidade Estadual do Maranhão, retornava às voltas com um novo desafio, -cursar Jornalismo. O curso de Jornalismo, um velho sonho, por diversas e diferentes motivos adiados, finalmente se realizara. Por estar em casa, impossibilitado de viajar por causa da pandemia do coronavírus, resolvi matricular-me, fechei 2021 com o primeiro ano do curso concluído, escrevendo crônicas e artigos para diversas mídias: jornais impressos, digitais e blogs de oito estados brasileiros.
Como sonhar não custa nada, ainda, resolvi tentar escrever para jornais de língua portuguesa em países de além mar. O projeto é ter crônicas e artigos publicados nos países lusófonos.
Como tudo que consegui na vida foi pedindo, nada me foi oferecido, resolvi pedir para diferentes pessoas, que intermediasse a indicação de algum jornal estrangeiro.
“Mais vale amigo na praça que dinheiro no banco”, máxima que sigo à risca, bati na porta do português Francisco Brandão, lusitano da aprazível Viana do Castelo, residente no Porto, cosmopolita, cidadão do mundo, amigo querido, falei de minha pretensão em escrever em algum jornal na terra de Luís de Camões, Fernando Pessoa, Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, José Saramago. O primeiro pensamento era escrever em um jornal português, que ainda não deu.
Gentil, generoso, prestativo e facilitador, Francisco Brandão moveu morros e montanhas, na esperança de ajudar-me. Sempre deixando-me informado de como andavam as negociações. Falou-me de Pedro Portugal, sobrinho mais velho, diretor geral do Hotel Presidente, conceituado e prestigiado em Luanda. Pedro Portugal, bem relacionado, tem contato com jornalistas angolanos. Passado alguns dias, Francisco me passou o contato do jornalista Ricardo Bordalo, diretor de redação do Novo Jornal.
Entrei em contato com Ricardo Bordalo, apresentei-me, ele me passou seu e-mail, enviei o artigo, para análise, se atenderia os pré-requisito do jornal, para publicação. E, assim, na noite de terça-feira, 02/03, já com o ok da redação, o jornalista Armindo Laureano, me pediu para enviar as fotografias.
No artigo publicado no Novo Jornal com o título “Todos com pressa”, falo da banalização da morte do fotógrafo suíço René Robert, 84 anos, que escorregou em uma rua de Paris, no dia 19 de janeiro, bateu a cabeça, ficou nove horas no chão gelado da Cidade Luz.
Em uma de minhas ida à Paris hospedei-me em um hotel próximo ao local em que René Robert perdeu a vida. Conheço a região, o que me tornou mais próximo do ocorrido. Havia contado essa triste história antes, como o tema do descaso com a vida humana é universal, narro agora a mesma história do outro lado do Atlântico.
Como um Forrest Gump, em andanças pelo mundo, conectei pessoas e fui conectado por elas, sigo contando e ouvindo histórias, sempre com gratidão ao bom e maravilhoso Deus por colocar pessoas gentis, generosas, prestativas e facilitadoras em meu caminho, como Francisco Brandão, que abrem as portas certas por onde passo.
Desde o início da pandemia do coronavírus, há dois anos, estou em casa, na Ilha do Amor, sem viajar. Agora, são as palavras escritas que alçaram voo, atravessaram o Atlântico. Saber que pessoas de outro continente, bem distante, estão manuseando um exemplar do Novo Jornal, lendo o que escrevi, alegra o meu coração. Sinto que valeu a pena minha teimosia e persistência; sigo aprendendo a colar as palavras, torcendo que façam sentido, na esperança de que o leitor goste.