Escuta

A temática da escuta me acompanha frequentemente. Como mediador de leitura, exercitar a escuta é tão importante quanto o exercício da fala na condução dos clubes de leitura. Escutar não se resume a ficar calado; implica um tipo de atenção aberta e concentrada.

Esse modo de escuta está mais relacionado ao ato de auscultar, que significa vasculhar o que se tem (ou não) dentro de si. A escuta possibilita dar ouvidos às vozes abafadas pelo cotidiano, repleto de obrigações, prazos de entrega, contas a pagar e tantas outras demandas. Na partilha de um texto literário, muitas vezes aprofundamos um assunto ou descobrimos novas temáticas justamente porque o a escuta percorreu o círculo.

A escuta é pouco ou quase nada destacada, pois se movimenta de forma contrária à fala. Rubem Alves chegou a cogitar oferecer um curso de “escutatória”, mas ninguém se matricularia, pois, como ele mesmo afirmou: “Escutar é complicado e sutil.” No contexto atual, em que proliferam cursos voltados ao aumento da performance no trabalho, a arte de escutar certamente não encontraria espaço. Como no mercado as coisas devem ser fáceis e explícitas, é realmente difícil vender algo que exige empenho e sutileza.

Como afirma o psicanalista Christian Dunker, escutar é trabalhoso e requer dedicação. Para ele, a escuta, de fato, começa quando a própria pessoa se escuta. Em outras palavras, ela se inicia no momento em que há uma conexão íntima consigo mesma. Saber lidar com os barulhos e vazios internos é um passo significativo para o cultivo da escuta. Nesse sentido, a escuta torna-se uma arte.

Mas o que fazer quando tudo à nossa volta nos estimula a falar, postar, escrever, agir? Não há uma resposta definitiva. Segundo o filósofo Byung-Chul Han, a transparência da sociedade atual nos impõe mostrar toda a nossa vida, especialmente nas redes sociais. Como sabemos, os influenciadores ganham a vida exibindo o que fazem desde o momento em que acordam até a hora em que vão dormir. No lugar da ação incessante, Han propõe a inatividade como refúgio. É na inatividade que a atividade encontra a seiva da vida.

A escrita, por sua vez, é uma atividade que exige de nós a escuta. Por isso, concordo com Julia Cameron quando ela diz que a escrita é uma forma de escuta. Não há como produzir um texto sem antes, minimamente, sondar o que se passa dentro e fora de si. É nesse processo que a conexão vai se estabelecendo.

Como mencionei no início, escutar não significa apenas ficar calado, mas seguir o fluxo das palavras, dos sentidos, do silêncio. A escuta nos aproxima de nós mesmos e do outro. Concluo com uma frase de Henri Nouwen, alguém que compreendeu profundamente a arte da escuta: “Escutar é uma forma de hospitalidade espiritual pela qual convidamos um desconhecido a se tornar nosso amigo, a revelar seu eu interior mais plenamente e até ousar ficar em silêncio conosco.”

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