Após reduzirem ou mesmo abolirem medidas restritivas da pandemia, países europeus registram nova onda de casos de coronavírus. Na maior parte das nações, o número de mortes ainda não cresceu, mas as Unidades de Terapia Intensiva (UTI) voltaram a ser mais demandadas.
O crescimento de casos na Europa e na Ásia motivou o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, a afirmar que, após seis semanas em queda, os casos de covid-19 voltaram a subir no mundo.
— Esses aumentos estão ocorrendo apesar das reduções nos testes em alguns países, o que significa que os casos que estamos vendo são apenas a ponta do iceberg. E sabemos que, quando os casos sobem, as mortes também o fazem — disse Adhanom.
Há consenso entre analistas de que a nova onda europeia é influenciada pela queda das máscaras em ambientes fechados, pelo cansaço das pessoas e pela flexibilização de outras restrições. O que é alvo de debate é se há um componente biológico na equação.
Discute-se a possibilidade de que a imunidade natural de quem pegou Ômicron há três meses esteja em queda. Há ainda a suspeita de que a BA.2, a subvariante da Ômicron ainda mais transmissível, possa reinfectar quem teve covid-19 na virada do ano. Ambas as hipóteses são plausíveis, afirmou o biólogo Atila Iamarino em seu Twitter nesta semana.
— Devemos ter perdas da imunidade (por infecção e vacina) ao longo do tempo, e há a BA.2, que predomina na Europa, segundo estudos. Como a BA.2 tem maior transmissibilidade do que a Ômicron original, a tendência é de que prevaleça. Há muitos casos de reinfecção, o Reino Unido relata pacientes que já tiveram até quatro infecções (desde início da pandemia) — diz o médico infectologista Alexandre Zavascki, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Na França, o primeiro-ministro, Jean Castex, afirmou ao jornal Le Parisien que a BA.2 pode ter contribuído para o repique – estima-se que seja 1,5 vezes mais transmissível do que a Ômicron. A cepa não é mais agressiva, afirmou a Organização Mundial da Saúde (OMS) em fevereiro.
A França aboliu máscaras em ambientes fechados e deixou de cobrar passaporte vacinal em todos os lugares afora hospitais e asilos. A curva de casos sobe — o aumento na média de infecções foi de 28% na última semana (confira abaixo o gráfico). Não houve piora nos números de mortes nem de pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTI).
Devido ao repique, o governo da França anunciou a aplicação da quarta dose de vacinas em idosos com 80 anos ou mais. A medida foi tomada também por Dinamarca, Alemanha, Espanha e pelo Estado de São Paulo.
— Já é uma nova onda firme na Ásia e na Europa. A reversão aconteceu há cerca de 20 dias, depois das flexibilizações. A onda de casos não cai lá embaixo. Na França e na Alemanha, os casos ficam na metade da onda de Ômicron, que já é muito maior do que nas ondas anteriores — afirma o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise.
Para Schrarstzhaupt, o aumento de hospitalizações e mortes ocorrerá, mas de forma limitada nos países com alta cobertura vacinal. Ondas anteriores mostraram que, sempre que há incremento em casos, crescem os óbitos, ainda que não proporcionalmente.
Na Alemanha, a média de novos casos passou de 183 mil na quarta-feira passada (10) para 205 mil nesta quarta (16), e a média de internados em UTIs voltou a crescer na última semana, segundo dados do Our World in Data.
O ministro da Saúde, Karl Lauterbach, afirmou que o país tem a “maior incidência” de covid-19 na Europa, com “tendência de alta, várias mortes”. Ele pediu que alemães se vacinem com urgência.
O Reino Unido retirou todas as restrições da pandemia no fim de fevereiro – agora, vê nova disparada no número de casos, com aumento de 40% na média de infecções diárias em apenas uma semana. As mortes e as hospitalizações em UTIs não cresceram até agora.
Em Portugal, onde 95,7% da população está vacinada com duas doses e mais de 60% recebeu três doses, a curva de casos subiu 12% em uma semana. As mortes mantêm queda.
— São vários os fatores que explicam a nova onda. Um é a flexibilização muito rápida e intensa, derrubando uso de máscaras e permitindo aglomerações, com jogo de futebol lotado e pessoas em todo lugar sem máscara. Outro fator é a Ômicron, que se dissemina de forma muito intensa — diz a médica epidemiologista Ligia Kerr, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Para Pedro Hallal, professor de Epidemiologia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a nova onda europeia “é motivo de alerta, mas não de preocupação”. Ele destaca que as vacinas atuais perdem eficácia para evitar infecções, mas mantêm proteção contra casos graves.
— A nova variante (BA.2) chega para infectar uma população altamente vacinada. A tendência é de que não tenhamos aumento tão grande de mortes. A história da humanidade mostra que uma pandemia não dura para sempre. A tendência é de que novas ondas sejam mais fracas até não haver mais onda — observa Hallal.
Ásia enfrenta segunda grande onda
Países asiáticos enfrentam piora, pela primeira vez desde o surgimento da covid-19. A China, que vê sua política de “covid zero” ser cada vez mais questionada com a existência da supertransmissível Ômicron, registra estouro no número de novos casos, com mais de 1,6 mil infecções diárias. O número é baixíssimo em comparação a nações ocidentais, mas alto para um país que rastreia e isola qualquer pessoa com resultado positivo para a doença em hotéis especiais.
O país já confinou 17 milhões de pessoas, o que afeta inclusive a economia a nível global, pelo impacto nas multinacionais. Na província autônoma de Hong Kong, necrotérios estão lotados e há falta de caixões para abrigar mortes pelo coronavírus. A cobertura vacinal é alta em termos proporcionais, mas baixa entre idosos.
— As ondas na Europa e nos países asiáticos são diferentes. Na Europa, houve quatro ondas anteriores, enquanto que países asiáticos veem agora o primeiro grande aumento. Nosso cenário se assemelha mais ao da Europa, com vacinação e pessoas infectadas previamente — acrescenta o médico infectologista Alexandre Zavascki.
Outros países com piora na epidemia são Áustria, Itália, Suíça, Vietnã e Coreia do Sul, onde 1% da população pegou coronavírus em um único dia.
Fonte: gauchazh