Com o apoio do Brasil, a Assembleia-Geral da ONU aprovou nesta quarta-feira uma resolução deplorando os ataques russos contra a Ucrânia, pedindo a retirada imediata das tropas e apelando para que negociações sejam estabelecidas. Apesar do voto do governo brasileiro pela resolução, o Itamaraty criticou trechos do texto e seu conteúdo, mandando recados duros para potências ocidentais.
O texto, proposto por quase cem países, foi aprovado com 141 votos, 5 contra e 35 abstenções. Trata-se de uma manobra com o objetivo de isolar a Rússia, diplomaticamente, numa ofensiva maior para transformar Vladimir Putin em pária. Apenas Belarus, Eritreia, Coreia do Norte, Rússia e Síria votaram contra. Mesmo tradicionais adversários dos EUA, como Cuba e China, se abstiveram.
O Brasil apoiou a resolução em sua votação. Mas não foi um dos 94 países que copatrocinaram o documento. O texto foi patrocinado por países como Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Paraguai, Peru e Uruguai.
Antes da votação, o governo americano alertou: “votar pela resolução é votar pela soberania e integridade territorial de todos”. “Estamos vivendo um momento definidor de nossa geração”, disse a delegação ucraniana. “Cabe a nós salvar as futuras gerações”, declarou. Segundo Kiev, Moscou não quer apenas a anexação da Ucrânia, mas o genocídio de seu povo.
O governo da Rússia rejeita que a operação seja uma agressão e insiste sobre a existência de movimentos neonazistas na Ucrânia.
Moscou ainda alertou que está ciente da pressão que potências ocidentais estão colocando sobre dezenas de países para que votassem a favor. “São ameaças cínicas. A resolução não vai parar a ação militar e pode dar força para que nacionalistas ucranianos ampliem agressões”, alertou a delegação do Kremlin. De acordo com Moscou, a Ucrânia estaria usando a população civil como escudos humanos.
Já o governo da China pediu que o foco da comunidade internacional seja colocado na busca de uma saída negociada. A China ainda criticou o fato de que o texto não tenha sido alvo de um processo negociador maior. Pequim também criticou as sanções impostas contra a Rússia e alertou sobre o risco da expansão da OTAN. “Pedimos uma atitude responsável por parte da comunidade internacional”, disse o representante chinês.
Apesar do voto, Brasil criticou sanções, armas e conteúdo da resolução
Após o voto, o embaixador do Brasil na ONU, Ronaldo Costa Filho, pediu a palavra para explicar a postura do país. Segundo ele, o texto mostra o compromisso da comunidade internacional de defender os princípios da ONU e admitiu que a Assembleia Geral não poderia permanecer em silêncio.
Ele também agradeceu os autores do texto por ter incluído temas humanitários e um apelo para que todos respeitem o direito humanitário e a proteção da população civil.
Mas o diplomata criticou também o texto, em recados indiretos para europeus e para o governo dos EUA. Segundo ele, a resolução “não vai longe suficiente” e alertou que um cessar fogo é apenas o primeiro passo para atingir a paz. “Para que haja paz sustentável, ele precisa ir além”, alertou.
O embaixador ainda lamentou o fato de a resolução trocar o que poderia ser um apoio da ONU por uma atitude de apontar dedos. e insistiu que atingir a paz “exige mais que o silêncio das armas”.
Segundo ele, os interesses de todos devem ser considerados, numa frase que foi interpretada como uma sinalização do Brasil aos russos.
Há duas semanas, um tom similar foi usado pelo governo brasileiro durante a visita do presidente Jair Bolsonaro para Moscou.
O embaixador, repetindo discursos anteriores, voltou a criticar o envio de armas para a Ucrânia e a imposição de sanções. Segundo ele, isso não ajuda para o estabelecimento do diálogo diplomático e ameaça ampliar o conflito.
Costa Filho ainda criticou um trecho do texto que criticava estratégias militares da Rússia, em especial sobre armas nucleares. Fazendo um pedido por uma desescalada militar, ele insistiu que a única solução estará na “mesa de negociações”.
Negociação
Antes da votação, o texto original passou por modificações nos últimos dias, justamente para acomodar as posições de Brasil e de outros governos que apostam ainda no diálogo. No lugar de “condenar” os ataques russos, o texto foi modificado para apenas “deplorar” a ação militar.
O objetivo dos autores do texto era de que um número importante de países votasse pelo apoio à resolução, mostrando que existe um amplo consenso internacional sobre como a Rússia será tratada.
Tentando isolar a Rússia em dezenas de setores, as potências ocidentais precisavam de uma resolução de força na ONU para legitimar suas ações. No Conselho de Segurança, porém, essa condenação não conseguiu ser aprovada, diante do veto da Rússia.
Por isso, de forma inédita em décadas, a Assembleia Geral foi convocada em caráter de emergência.
O documento chega a falar em condenação. Mas apenas em casos como a decisão da Federação Russa de aumentar a prontidão de suas forças nucleares.
Um outro trecho de interesse do Brasil foi a inclusão de uma referência ao impacto na produção de alimentos. A resolução expressa “preocupação com o impacto potencial do conflito sobre o aumento da insegurança alimentar em todo o mundo, uma vez que a Ucrânia e a região são uma das áreas mais importantes do mundo para a exportação de grãos e agricultura, quando milhões de pessoas estão enfrentando a fome ou o risco imediato de fome ou estão passando por grave insegurança alimentar em várias regiões do mundo, bem como na segurança energética”.
O texto reafirma o compromisso da ONU com a soberania, independência, unidade e integridade territorial da Ucrânia dentro de suas fronteiras internacionalmente reconhecidas, estendendo-se às suas águas territoriais.
Mas “lamenta com veemência” a agressão da Federação Russa contra a Ucrânia, em violação ao artigo 2, parágrafo 4 da Carta das Nações Unidas;
O texto ainda “exige que a Federação Russa cesse imediatamente seu uso da força contra a Ucrânia e que se abstenha de qualquer outra ameaça ou uso ilegal da força contra qualquer Estado membro das Nações Unidas”.
Ele também “exige que a Federação Russa retire imediata, completa e incondicionalmente todas as suas forças militares do território da Ucrânia dentro de suas fronteiras internacionalmente reconhecidas”.
A resolução ainda “deplora” a decisão da Federação Russa de 21 de fevereiro de 2022 relacionada ao status de certas áreas das regiões de Donetsk e Luhansk da Ucrânia como uma violação da integridade territorial e soberania da Ucrânia e inconsistente com os princípios da Carta das Nações Unidas.
Ela “exige” uma mudança nessa postura e, de forma ampla sem citar nomes, “condena todas as violações do direito humanitário internacional e violações e abusos dos direitos humanos, e exorta todas as partes a respeitarem estritamente as disposições relevantes do direito humanitário internacional”.
Por isso, o texto “exige que todas as partes” cumpram plenamente suas obrigações sob o direito humanitário internacional para poupar a população civil e pede “a resolução pacífica e imediata do conflito entre a Federação Russa e a Ucrânia através do diálogo político, negociações, mediação e outros meios pacíficos”.